23 de agosto de 2015

HÉLIO SCHWARTSMAN A droga e o crime

SÃO PAULO - A coluna de quarta, na qual sustentei que é necessário legalizar todas as drogas, não só descriminalizar o consumo, gerou interessantes indagações de leitores. Uma que merece desenvolvimento diz respeito ao que fariam os traficantes com a eventual legalização.
A resposta é obviamente empírica, mas como nenhum país legalizou ainda todas as drogas, não sabemos o que aconteceria. Só o que podemos fazer é colocar a imaginação para funcionar, mas mantendo-a sob as rédeas curtas do realismo.
Até dá para sustentar que grandes produtores conseguiriam integrar-se à cadeia legalizada, mas esse dificilmente seria o destino dos pequenos traficantes e seus soldados. Eles não vestiriam uma gravata e se tornariam respeitáveis homens de negócios. O mais provável é que a maior parte continuasse na vida do crime, possivelmente trocando o comércio ilícito por delitos bem mais violentos, como roubo ou sequestros. Assim, não seria uma surpresa se, num primeiro momento, a legalização resultasse numa alta da criminalidade.
Em prazos mais dilatados, porém, dá para vislumbrar o enfraquecimento dos carteis de traficantes. Privados do lucro fácil das drogas, já não teriam tantos recursos para corromper autoridades e manter exércitos de capangas. De novo, essa não é necessariamente uma boa notícia. Policiais não gostam muito da tese, mas certos pesquisadores dizem que o fortalecimento de organizações como o PCC, que impõe rígida disciplina a seus comandados, ajudou a reduzir os homicídios em São Paulo.
Com tantos riscos, por que insistir na legalização? Cabe aqui uma analogia com ditaduras. Tiranias antigas tendem a ser menos violentas. Os principais opositores já foram suprimidos e a população aprendeu o que não é tolerado. Não obstante, ninguém defende que ditaduras velhas sejam mantidas porque a transição pode ser violenta. Devemos derrubá-las porque é a coisa certa a fazer.

Folha de S.Paulo, 23/08/2015

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