2 de julho de 2015

Pau de arara escolar

Auditoria acha alunos transportados entre galões de combustível, na carroceria de caminhonete e em veículo sem motorista habilitado

ESTÊVÃO BERTONIDE SÃO PAULO, Folha e S.Paulo, 1/7/2015

Nos ônibus escolares de Roteiro (AL), fiscais encontraram crianças viajando entre galões de combustível. Os veículos não tinham cintos de segurança, e os extintores de incêndio estavam vencidos.
Nos ônibus de Sobral (CE), tábuas remendavam janelas e portas eram presas com fios de cobre. Motoristas não tinham a habilitação exigida para transportar passageiros.
Em Bacuri (MA), velhos veículos de carga ganharam bancos de madeira sem encosto em suas carrocerias para acomodar os estudantes.
Os casos foram colhidos pela Controladoria-Geral da União, que avaliou, por sorteio, a execução do Pnate (Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar) em 131 municípios entre 2012 e 2013. Só no ano passado, 5.296 cidades receberam verba do programa.
O relatório final das fiscalizações foi apresentado nesta semana e revela a precariedade do transporte escolar nos locais analisados. Os problemas podem ser encontrados em outros locais do país.
Em Graça (CE), que não está no relatório, crianças foram recentemente flagradas viajando penduradas do lado de fora de caminhonetes.
A secretária de Educação do município, Morgana Alcântara, afirma que seis paus de arara ainda são usados. Ela afirma que a gestão atual já diminuiu o número de rotas com eles, mas que o objetivo é reduzir ainda mais.
Sobre as crianças penduradas, ela diz que pode ter sido uma "eventualidade".
"Tem aluno que faz prova, sai mais cedo e quer ir embora no primeiro carro. Pode ter ido lotado, mas eu desconheço que todos os dias esses carros vão com o aluno de fora."
Embora considere satisfatória a execução do Pnate, por atingir "grande parte" de seu público, o documento da CGU mostra que apenas 35% dos veículos atendiam totalmente as especificações do código de trânsito. Em relação aos motoristas, 29% trabalhavam irregularmente.
Também foram identificados problemas nas licitações (só 43% não tinham falhas) e no uso das verbas públicas --houve desvios em 21 cidades.
PREJUÍZOS
Os prejuízos com irregularidades --como superfaturamento de serviços e favorecimento a empresas-- chegam a R$ 3 milhões, valor que a CGU recomendou que fosse devolvido pelos municípios ao programa executado pelo FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação).
O FNDE diz que analisa o relatório e que, se necessário, irá solicitar a devolução.
Criado em 2004, o Pnate transferiu até 2014 R$ 4,6 bilhões aos municípios para garantir o acesso dos estudantes de áreas rurais.
"Temos uma série de propostas para evitar esses problemas, como o FNDE interagir mais com os órgãos de fiscalização. Identificamos também que os conselhos [que monitoram os recursos] não estão atuando", afirma Victor Godoy Veiga, diretor de auditoria da área social da CGU.
O governo federal admite que não há dados sobre o número de paus de arara em uso. Segundo o censo escolar de 2014, 6 milhões de estudantes viajam em ônibus, 1 milhão em micro-ônibus e 805 mil em vans e Kombis. Caminhões, caminhonetes e motos estão incluídos no censo na categoria "outros", que soma 1 milhão de usuários.
Há ainda 768 mil alunos que utilizam embarcações, 21 mil que vão à escola de bicicleta e 4.607 que recorrem a veículos com tração animal.

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