18 de abril de 2015

HÉLIO SCHWARTSMAN Com pena dos menores


SÃO PAULO - Contardo Calligaris fez em sua última coluna reflexões provocantes sobre a maioridade penal, às quais tento, não exatamente responder, mas comentar.
Concordo que a modernidade exagerou na idealização da infância, transformando-a, sob inspiração de Rousseau, numa fase mágica, feliz e sem pecado, mas não estou tão certo de que o tratamento mais brando que legislações reservam a adolescentes seja um fenômeno exclusiva ou principalmente ideológico.
Em "The Bonobo and the Atheist", Frans de Waal mostra que a maior tolerância para com os jovens está presente até entre os hierárquicos babuínos, uma espécie de Tea Party dos primatas. Macacos pequenos podem quase tudo, inclusive saltar na barriga de machos alfa sem ser incomodados, até que um dia um mandachuva decide que eles já são grandes o suficiente e passa a reprimi-los como adultos. É possível que a boa introjeção das regras sociais tenha como pressuposto um período de aprendizado no qual elas não são impostas de modo muito draconiano.
Quanto à proposta de Calligaris de simplesmente acabar com a maioridade penal e deixar que se decida caso a caso se o acusado compreendia seus atos, eu diria que a tese faz sentido, mas há um preço a pagar. Ao adotar esse sistema, nos afastamos um pouco da ideia de leis prévia e detalhadamente codificadas, que constituem a base de nosso direito de matriz romano-germânica, e nos aproximamos do paradigma anglo-saxônico de "common law".


Cada qual tem vantagens e desvantagens. O que me incomoda no modelo inglês é que tiramos o poder de uma multiplicidade de atores, incluindo o cidadão que pode abstratamente escolher se vai ou não delinquir conhecendo a tabela de preços, e o transferimos para juízes e júris que decidem o tamanho da culpa após os fatos. Não chega a ser um cheque em branco, mas é um sistema bem mais opaco para os leigos.
Folha de S.Paulo,18,4,2015

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