11 de maio de 2013

Brasília: da alvorada ao caos e vice-versa , Isaac Roitman



Correio Braziliense - 11/05/2013
 

Professor emérito da Universidade de Brasília, coordenador do Núcleo do Futuro da UnB e membro titular da Academia Brasileira de Ciências
Juscelino Kubitschek de Oliveira, senão por inúmeros atos de ousadia, ficou imortalizado pelo feliz pensamento: “Deste Planalto Central, desta solidão que em breve se transformará em cérebro das mais altas decisões nacionais, lanço os olhos mais uma vez sobre o amanhã do meu país e antevejo esta alvorada, com fé inquebrantável e uma confiança sem limites no seu grande destino”. A residência oficial do presidente foi batizada por JK como Palácio da Alvorada. Quando questionado sobre o porquê do nome Alvorada, ele respondeu com uma pergunta: “Que é Brasília, senão a alvorada de um novo dia para o Brasil?”.

A Brasília da alvorada foi concebida na feliz parceria do genial urbanista Lucio Costa, do arquiteto inovador Oscar Niemeyer e do artista plástico e paisagista Roberto Burle Marx. O comentário do cosmonauta russo Yuri Gagarin, em 1961, ilustra a ousadia da cidade que nascia: “Tenho a sensação de estar desembarcando num planeta diferente, não na Terra”.

A arquitetura única no mundo fez da cidade o maior acervo a céu aberto da arquitetura moderna. Os amplos jardins e milhares de árvores plantadas respondiam pelo lado bucólico, mistura do verde salpicado de flores entre monumentos. Lembro com saudades da Brasília nas décadas de 1960 a 1980, uma cidade tranquila, com casas sem grades e trânsito civilizado onde acompanhávamos o crescimento das mangueiras, das paineiras, dos ipês e de outras árvores que transformavam a paisagem urbana. Bons tempos, como descrito por Paulo Lyra no Correio Braziliense (1987), em que as famílias saíam da missa da Igreja Dom Bosco e iam passear na W3 Sul, então lugar de paquera. Um bom programa era pegar uma matinê no Cine Cultura, que ficava na 507 Sul.

Essa Brasília já não existe. O que vemos hoje é uma selvagem especulação imobiliária, puxadinhos por todo canto, uma crescente desigualdade social, trânsito caótico e violento, violência de diferentes tipologias, aumento de consumo de drogas, apagões, buracos para dar e vender, atendimento à saúde precário, educação deficiente e outros ingredientes que contribuem para baixar o nível da qualidade de vida e a consolidação do caos na capital de todos os brasileiros. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o Distrito Federal tem apresentado aumento da desigualdade social. Para o economista e cientista político Marcio Pochmann, essa tendência ocorre porque o crescimento populacional se dá na base da pirâmide social.

No entanto, esse caos pode ser revertido. O respeito à faixa de pedestre, introduzida em 1997, é motivo de inspiração para resgatar a utopia dos fundadores de Brasília. Essa conquista, baseada na educação, faz renascer a esperança de novas utopias que devem ser traduzidas em projetos de revisão urbanística e de inclusão social. O geógrafo Aldo Paviani propõe a fórmula que possa levar à distribuição da qualidade de vida em toda área metropolitana de Brasília. Ele prega a descentralização das novas estruturas urbanas, criando postos de trabalho. Com essa descentralização virá a valorização dos espaços que serviram para abrigar antigos favelados, inquilinos de fundo de lotes e todos os que migraram sem condições de evoluir socialmente. A capital de todos os brasileiros pode retomar a sua missão, que é a de contribuir para a construção dos fundamentos de uma nova civilização com justiça social.

O melhor caminho para a transformação do caos em uma nova alvorada é a educação, que, segundo Jean Piaget, tem como meta principal criar homens que sejam capazes de fazer coisas novas, não simplesmente repetir o que outras gerações já fizeram. Homens que sejam criadores, inventores, descobridores. A inauguração do Museu de Educação de Brasília, na Candangolândia, que registra a inovação do ensino público introduzido por Anísio Teixeira, prevista para 21 de abril de 2014, poderá ser o símbolo da retomada da alvorada de nossa cidade.

Decidi escrever este artigo quando minha neta de 11 anos me contou que, a caminho da escola, se sentia feliz escutando a Alvorada de Carlos Gomes. Como acredito que a boa música inspira e energiza, sugiro que cada brasiliense, assim como minha neta, sintonize todos os dias, às 6h50 da manhã, a Brasília Super Rádio FM (89,9 MHz), do saudoso Mário Garófalo, e ouça a Alvorada da ópera Lo Shiavo, de Carlos Gomes. Certamente esse momento lúdico vai estimular em cada um de nós a vontade de construir uma nova alvorada para termos em Brasília um ambiente digno para as próximas gerações.

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